Qual o impacto da crise no financiamento do imóvel?

Especialista responde como os juros, inflação e Taxa Referencial têm impacto sobre o financiamento do imóvel


Dúvida do internauta: Um financiamento de imóvel já aprovado, com contrato assinado e parcelas decrescentes pré-estabelecidas pode ser prejudicado pela instabilidade econômica do país, por conta da variação da taxa Selic, Taxa Referencial ou da inflação?

Resposta de Marcelo Prata*

A parcela e o saldo devedor do financiamento imobiliário geralmente são corrigidos por uma taxa de juros pré-estabelecida e um índice de mercado. A escolha do indexador é feita antes da contratação do financiamento, na fase de simulações e análise do crédito.

Geralmente, a Taxa Referencial (TR), que corrige a caderneta de poupança e o saldo do FGTS, é utilizada como indexador nesse tipo de financiamento. A TR é calculada a partir da Taxa Básica Financeira (TBF), uma média das aplicações em Certificados de Depósitos Bancários (CDBs) emitidos pelas 30 maiores instituições financeiras do país. 

Em algumas operações, como financiamento de imóveis comerciais, empréstimos onde o imóvel é oferecido como garantia, ou financiamentos realizados por bancos de menor porte e companhias hipotecárias, o índice utilizado pode ser o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), ou o IGP-M (Índice Geral de Preços de Mercado).

Nas operações de empréstimo com garantia de imóvel, é comum que as taxas de juros sejam menores em operações corrigidas por índices de preços, que acompanham a inflação. Mas a TR tem menor impacto na correção dos contratos se comparada ao IGP-M ou ao IPCA.

Portanto, contratos de financiamento imobiliário corrigidos pela TR estão mais imunes às mudanças da economia, pois tendem a oscilar menos em tempos de instabilidade econômica do que índices que acompanham a inflação.

De qualquer forma, em épocas de crise, como a atual, o governo tende a elevar a taxa básica de juros da economia, Selic, para conter a inflação. Como a taxa básica é usada como referência para a remuneração de investimentos e operações de crédito, os juros pagos pelos CDBs também tendem a aumentar.

Assim, com o aumento dos juros dos CDBs, a TBF tende a aumentar, provocando também a elevação da TR.

Por isso, ainda que financiamentos atrelados a índices inflacionários sejam mais afetados pela crise, os financiamentos de imóveis atrelados à TR, que são os mais comuns entre as pessoas físicas, também podem ficar mais caros.

Mesmo que na compra do imóvel seja comum que os bancos mostrem uma tabela com as parcelas que serão pagas ao longo do financiamento, é importante ressaltar que essas parcelas sofrem uma pequena alteração em função da TR.

Contudo, por mais que essa alteração na TR eleve o valor das parcelas, o aumento não é relevante. Para usar um exemplo fictício, para uma parcela de 3 mil reais, o comprador pode ter de pagar 26,19 reais a mais com uma TR elevada.

*Marcelo Prata é fundador do site de comparação de financiamento imobiliário, Canal do Crédito.



Fique atento a seguros indevidos ao financiar imóvel

Financiamento do imóvel tem apenas dois seguros obrigatórios

Aproveitando o desconhecimento de compradores sobre quais são os seguros obrigatórios dos financiamentos imobiliários, bancos podem induzir o cliente a contratar proteções adicionais, como seguros de vida e residenciais.  

Prometer taxas menores para quem adquirir esses seguros opcionais ou condicionar a aprovação do financiamento à contratação dessas proteções são práticas ilegais, que podem ser consideradas venda casada. Proibida pelo artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), a venda casada consiste em exigir a contratação de produto como condição para a compra de outro. 

Omitir que esses seguros adicionais não são obrigatórios também é uma prática ilegal. Segundo o CDC, o consumidor tem o direito à informação. Ter clareza do que está sendo oferecido impede que tenha um ônus adicional, ou seja, pague por serviços que, na verdade, não é obrigado a contratar. 

Alguns gerentes podem forçar a inclusão dessas proteções no financiamento do cliente porque a venda desses produtos financeiros os ajuda a bater metas de venda, diz Marcelo Prata, diretor do site comparador de financiamentos Canal do Crédito. 

Esses produtos financeiros não são, necessariamente, ruins, pois podem oferecer uma cobertura maior do que a prevista nos seguros obrigatórios, diz o diretor do Canal do Crédito. "O problema é que o comprador tem o direito de saber que a aquisição desse seguro é opcional e que a concessão do empréstimo não deve ser condicionada a essa contratação".

Mesmo que o valor dos seguros adicionais represente um pequeno acréscimo no valor das prestações da compra da casa, esse custo pode ser expressivo em financiamentos mais longos, segundo Maria Inês Dolci, diretora da associação de consumidores Proteste. "Por isso, é necessário analisar se a inclusão desses seguros realmente vale a pena". 

O que diz a lei

Financiamentos imobiliários enquadrados no Sistema Financeiro de Habitação (SFH) devem incluir, obrigatoriamente, dois tipos de seguros: para Morte e Invalidez Permanente (MIP) e Danos Físicos ao Imóvel (DFI). O SFH engloba financiamentos de imóveis no valor de até 750 mil reais nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Distrito Federal; e de até 650 mil reais nos demais estados.

O MIP quita o saldo devedor em caso de morte ou invalidez dos compradores, sendo que quanto mais velho for o comprador, maior é o seu custo. Caso mais de uma pessoa participe do financiamento, a indenização será proporcional à renda do comprador que faleceu ou ficou com sequelas permanentes causadas por doença ou acidente. Ou seja, se a renda desse comprador equivalia a 50% do valor das parcelas, o seguro irá quitar 50% do saldo devedor. 

Já o DFI cobre prejuízos causados ao imóvel por fatores externos, como incêndio e inundação. A indenização será proporcional ao valor do prejuízo. 

No caso de imóveis com valores superiores a 750 mil reais em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Distrito Federal e de mais de 650 mil reais nos outros estados, incluídos no Sistema Financeiro Imobiliário (SFI), o comprador não é obrigado a contratar qualquer seguro. 

Evite abusos

Os custos do MIP e do DFI devem estar incluídos no valor das parcelas do financiamento e também no contrato de concessão do crédito pelo banco para a aquisição do imóvel.

Por isso, uma maneira fácil de verificar se o banco está incluindo produtos indevidos na operação é checar se o contrato de alguns dos seguros oferecidos é separado do contrato de financiamento, diz Prata, do Canal do Crédito. 

Caso confirme a existência de venda casada, o comprador deve denunciar a prática à ouvidoria do banco. Se o problema não for solucionado, deve fazer uma reclamação ao Banco Central (BC). "O importante é que o comprador não pague por algo que não queira ou precise por medo de não ter o financiamento aprovado", diz Prata. 

A forma mais efetiva de não pagar a mais pelo crédito é comparar o Custo Efetivo Total (CET) do financiamento de diferentes instituições financeiras. "O CET inclui, além das taxas de juros cobradas no empréstimo, todos os encargos incluídos no financiamento do imóvel, inclusive o custo de seguros", diz Maria Inês, da Proteste (veja como baratear o financiamento do imóvel só mexendo no seguro). 

Além da venda indevida de seguros, o banco também pode tentar incluir no financiamento do imóvel outros produtos, como planos de previdência e títulos de capitalização, que nada têm a ver com o financiamento do imóvel. "O consumidor deve estar consciente de que não é obrigado a contratar nenhum deles", diz Maria Inês. 

Cliente é livre para escolher seguro obrigatório

O banco é obrigado por lei a oferecer ao menos duas opções de apólices coletivas dos seguros obrigatórios ao consumidor ao conceder o financiamento. Uma das proteções deve ser oferecida por uma seguradora que não seja ligada ao banco, de acordo com a resolução 3.811 do Banco Central.

Nesse caso, o banco não pode induzir a escolha do consumidor pela apólice do banco. "O comprador deve ser livre para decidir qual é a melhor opção", diz Maria Inês, da Proteste.

Se o comprador não quiser aderir a nenhuma das duas apólices recomendadas, o banco deverá aceitar a apólice individual contratada pelo cliente em outra seguradora, desde que a proteção ofereça as coberturas requeridas para financiamentos do SFH.

A instituição financeira tem 15 dias para analisar a proposta e pode cobrar, no máximo, 100 reais por essa análise. O banco só poderá recusar a proposta caso ofereça uma proteção com valor inferior ao da apólice escolhida pelo cliente.

A norma 3.811 do Banco Central prevê ainda que o comprador do imóvel possa mudar de apólice durante o financiamento. A nova proteção passará a vigorar após a terceira parcela do financiamento paga pelo cliente a partir da solicitação da mudança do seguro. 



Construtora pode continuar a cobrar juros se atrasar a obra?

Especialista responde se a construtora pode continuar a cobrar os juros do financiamento após atrasar a entrega do imóvel

A construtora pode continuar a cobrar os juros do financiamento após atrasar a entrega do imóvel? 

Resposta de Marcelo Tapai*

Os juros cobrados durante a obra são legais se o cliente firmou um contrato de empréstimo para a construção do imóvel com o banco.

Apesar de existir uma data para a construtora finalizar a obra e um prazo pelo qual o comprador do imóvel deverá aguardar a entrega da unidade, não há como o mutuário se recusar a pagar os juros, mesmo se a entrega da unidade atrasar.

Como o crédito foi concedido pelo banco em um contrato separado da construção do empreendimento, o comprador pode ficar com o nome sujo ou receber uma ação de cobrança da instituição financeira caso não realize o pagamento. 

O que pode ser feito pelo comprador é entrar com uma ação na Justiça contra a construtora que atrasou a obra e exigir o ressarcimento dos valores pagos durante o período do atraso.

*Marcelo Tapai é advogado especialista em direito imobiliário e sócio do escritório Tapai Advogados. É presidente do Comitê de Habitação da OAB/SP e diretor do Brasilcon (Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor)



Como comprar um imóvel sem ter dinheiro guardado?

Especialista indica a melhor maneira de adquirir a casa própria para quem não tem reservas financeiras

Dúvida da internauta: Eu e meu noivo temos 29 anos, pagamos aluguel e não temos nenhum dinheiro guardado. Pensamos em comprar um apartamento de 300 mil reais na planta, que será entregue após três anos. Durante esse tempo, pagaríamos 1.500 reais por mês para a construtora e, na entrega do apartamento, financiaríamos o valor restante. Outra opção é, durante três anos, depositar 1.500 reais por mês na poupança para dar como entrada em um financiamento. Qual é a melhor forma de adquirir o imóvel?

Resposta de Marcelo Prata*

Ambas as opções podem ser uma boa alternativa para a compra do imóvel, mas existem questões a serem consideradas em cada uma delas.

Ao comprar o imóvel na planta, durante os 36 meses de obras, vocês pagariam algo em torno de 20% do valor total da unidade. Restaria, portanto, cerca de 240 mil reais para ser quitado na entrega da obra.

O problema é que esse saldo devedor será corrigido pelo Índice Nacional de Custo da Construção do Mercado (INCC-M). Levando em conta o índice dos últimos 12 meses, esse saldo pode atingir 285 mil reais em três anos.

Para financiar esse valor vocês ainda precisarão comprovar uma renda de 10 mil reais. O valor da primeira prestação, caso o financiamento seja pago durante 30 anos, será de cerca de 3 mil reais.

Já a opção de aplicar mensalmente a quantia permite que vocês possam se organizar melhor sem assumirem um compromisso financeiro antes do casamento. Ao guardar 1,5 mil reais por mês, após três anos vocês terão cerca de 60 mil reais. Esse valor poderia ser utilizado para dar como entrada no financiamento de um imóvel, dependendo da renda de vocês.

Se vocês forem disciplinados para realizar o depósito todo mês, é melhor depositar o dinheiro em uma aplicação financeira (veja qual seria o melhor investimento de renda fixa hoje). Caso não tenham disciplina para poupar, contratar um consórcio pode ser a melhor opção.

No consórcio (veja quais são as vantagens e desvantagens da modalidade de crédito), um grupo de pessoas paga parcelas mensais para ratear o valor do imóvel. Com o dinheiro de cada membro do grupo, é possível ser contemplado com uma carta de crédito a qualquer momento e, dessa forma, obter os recursos necessários para a compra do bem.

Ao contratar essa modalidade de crédito, vocês são obrigados a realizar os pagamentos mensalmente. Se não forem sorteados durante os próximos três anos, poderão utilizar recursos adicionais, como o saldo que eventualmente tenham no FGTS, por exemplo, para realizar um lance e obter a carta de crédito antes do prazo final do contrato. Além disso, os pagamentos são corrigidos ao longo do tempo, o que mantém o poder de compra de vocês até o momento em que forem contemplados com a carta de crédito.

*Marcelo Prata é fundador do site de comparação de financiamento imobiliário, Canal do Crédito.

Fonte: Revista Exame